quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Deriva...


“Bóiam leves desatentos,
Meus pensamentos de mágoa,
Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das aguas.

Bóiam como folhas mortas
Á tona de águas paradas
São coisas vestindo nadas,
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas.

Sono de ser, sem remédio,
Vestígio do que não foi,
Leve magoa, breve tédio,
Não se pára, se flui;
Não se existe ou se doí.”
Fernando Pessoa

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Surpresa... ou não...

Foi com uma profunda insatisfação e desagrado que recebi a notícia, à umas semanas atrás, de que mais uma vez não foram aprovadas novas leis no âmbito da taxação de produtos alimentares ricos em gordura, sal e açúcar. Sinceramente, é surpreendente como o nosso Governo português se preocupa tanto em diminuir as despesas nacionais, com cortes ao nível do ensino, saúde, pensionistas, etc, etc e não se preocupe com os custos avultadíssimos que doenças crónicas como a obesidade, diabetes mellitus, hipertensão, síndrome metabólica, entre outras exercem sobre o Serviço Nacional de Saúde. Foquemo-nos na obesidade consequência, na maioria dos casos, de maus hábitos alimentares e do excesso de sedentarismo. Atualmente afeta 15% da população portuguesa, sendo que o excesso de peso já atingiu os 50%. Esta patologia contribui com 2 a 7% dos custos totais da saúde, parece pouco… mas não é… Muito menos quando se adicionam os contributos das outras doenças atrás referidas, uma vez que raramente a obesidade aparece isoladamente. O preço dos alimentos é um factor determinante no processo de seleção e consumo, e muitas vezes produtos ricos em açúcar, gordura e sal (apaladados e apelativos) tornam-se muito mais tentadores comparativamente a frutas e vegetais em natureza. Seria portanto pertinente reavaliar as políticas, presentemente inexistentes, relativas aos preços dos alimentos altamente processados e nutricionalmente mais pobres, incentivando, ao mesmo tempo, a agricultura nacional e a comercialização de produtos naturais, ou pouco processados, e nutricionalmente muito ricos. A taxação de alimentos pouco saudáveis contribuirá para uma menor ingestão destes produtos, aumentando em contrapartida a ingestão de alimentos ricos do ponto de vista nutricional e favorecendo, assim, a diminuição dos índices de obesidade e todos os efeitos negativos que esta doença acarreta para a sociedade. 

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Mudança?

Nos últimos tempos dou por mim a pensar se não seria interessante mudar um pouco o atual registo literário do meu blog e passar a escrever algo da minha autoria, além das habituais citações dos excelentes, e meus preferidos, autores e poetas portugueses. Não sou filósofa, nem cronista, muito menos uma grande intelectual do mundo das letras. Os meus textos são apenas fruto da realidade com que todos nos deparamos e sobre a qual raramente refletimos. De facto quantos de nós se depara com os fenómenos mais contraditórios, irónicos e incompreensíveis e nem se apercebe? Eu própria seria insensível se a minha formação profissional não me tivesse afinado para estas questões.
Passemos à prática. É de senso comum que a maioria dos acidentes rodoviários é provocada pelo excesso do consumo de álcool, que muitos dos casos de violência doméstica são o resultado de dependências, nomeadamente do álcool e que este mesmo álcool, protagonista de muitas refeições, é o grande responsável por destruições sociais, familiares e individuais.
O excesso de consumo de etanol, como é designado no mundo científico, é um grave problema presente em muitos países dentro dos quais Portugal. Mesmo que as suas consequências não atinjam níveis tão drásticos como violência ou mortes, não significa que eles não existam e não deixem as suas marcas. Então, fará sentido as marcas de bebidas alcoólicas continuem a ser uma das maiores empresas patrocinadoras de clubes, eventos ou atividades desportivas? Isto é contraditório em vários aspetos. Ponto número um, os atletas supostamente nem podem ingerir álcool. Ponto número dois, se a publicidade televisiva a bebidas alcoólicas não passa a qualquer hora, de forma a evitar a exposição de menores ao marketing deste tipo de produtos, porque motivo ninguém se preocupa que estes patrocinem eventos desportivos quando a sua assistência inclui uma grande percentagem de crianças e adolescentes? Pela mesma ordem de ideias farão sentido os anúncios publicitários explícitos a estes produtos nos outdoors ou outros meios impressos? Terão as letras minúsculas “Beba com moderação” um efeito real, ou serão como as bulas dos medicamentos? As recomendações são de dois copos de vinho por dia para homens (ou seja 250ml) e um para mulheres, quem cumpre? Fará sentido que entidades como a Federação Portuguesa de Futebol, que tem um forte impacto na sociedade, em especial nos mais novos, continuem a usar nos seus equipamentos o logótipo destas marcas. Porque não começarem a pensar noutros patrocínios, por exemplo água, fundamental à vida, ou mesmo noutras marcas de géneros alimentícios. Será que as atuais marcas irão mesmo à falência caso deixem de patrocinar estes eventos? Se sim, como sobrevivem então os outros operadores económicos atualmente?

domingo, 23 de novembro de 2014

Brotar...


A Flor do Sonho, alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim! ...
Milagre ... fantasia ... ou, talvez, sina ...

Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?! ...

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minha’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi ...”

Florbela Espanca

(Foto Artymind/ Zazzle)

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Um desespero...

"Ah! A angústia, a raiva vil, o desespero
De não poder confessar
Num tom de grito, num último grito austero
Meu coração a sangrar!

Falo, e as palavras que digo são um som
Sofro, e sou eu.
Ah! Arrancar à música o segredo do tom
Do grito seu!

Ah! Fúria de a dor nem ter sorte em gritar,
De o grito não ter
Alcance maior que o silêncio, que volta, do ar
Na noite sem ser!"

Fernando Pessoa

domingo, 26 de outubro de 2014

Fotografias...














"Loving can hurt
Loving can hurt sometimes
But it's the only thing that I know
When it gets hard
You know it can get hard sometimes
It is the only thing that makes us feel alive

We keep this love in a photograph
We made these memories for ourselves
Where our eyes are never closing
Our hearts hearts were never broken
And time's forever frozen still"

Excerto da letra “Photograph” de Ed Sheeran

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Inspiração de hoje...

E porque transcrever não é suficiente para exprimir todas as emoções que se sentem ao escutá-la, aqui está mais uma das maravilhosas composições de Miguel Araújo...

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Inevitável...


“Procurei o amor que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava.
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer...
Um sol a apagar-se e outro a acender
Nas brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há de partir também... nem eu sei quando...”
Florbela Espanca

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A realidade...


“Esperei tanto por ti
E caiu-me um manto em mim
Será que te perdeste a caminhar
Ou foi só para me castigar

E agora, será que te perdi
E agora, se terminar aqui
O que será de mim, sem ti

Corri o mundo por ti
Mas o mundo correu sem mim
Será que tu partiste para além mar
Só para me abandonar”
Excerto da letra da música “E Agora” de Mikkel Solnado

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Um descontentamento...


"Há no firmamento
Um frio lunar,
Um vento nevoento
Vem de ver o mar.

Quase maresia
A hora interroga,
E uma angústia fria
Indistinta voga.

Não sei o que faça,
Não sei o que penso,
O frio não passa
E o tédio é imenso.

Não tenho sentido,
Alma ou intenção...
'Stou no meu olvido...
Dorme, coração..."
Fernando Pessoa

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A realidade de uma ilusão...


"Ao longe, ao luar,
No rio uma vela,
Serena a passar,
Que é que me revela?

Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.

Que angústia me enlaça?
Que amor não se explica?
É a vela que passa
Na noite que fica."
Fernando Pessoa

domingo, 31 de agosto de 2014

A nostalgia das recordações...


“Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?...
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!”

Florbela Espanca

sábado, 23 de agosto de 2014

The sad heat...

"Now I see fire
Inside the mountain
I see fire
Burning the trees
And I see fire
Hollowing souls
I see fire
Blood in the breeze
And I hope that you'll remember me"
Excerto da letra "I see fire" de Ed Sheeran

quarta-feira, 23 de julho de 2014

O meu inconsciente...

“Embebido num sonho doloroso,
Que atravessam fantásticos clarões,
Tropeçando num povo de visões,
Se agita meu pensar tumultuoso...

Com um bramir de mar tempestuoso
Que até aos céus arroja os seus cachões,
Através duma luz de exalações,
Rodeia-me o Universo monstruoso...

Um ai sem termo, um trágico gemido
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrível, monótono vaivém…

Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!”
Antero de Quental

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Memórias...

“Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim…

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!”

Florbela Espanca

quinta-feira, 3 de julho de 2014

A razão...














“Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na luta por um bem definitivo
Em que as coisas de amor se eternizassem.”
Sophia de Mello Breyner

sexta-feira, 27 de junho de 2014

O calor de um gesto...


Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não?

Não sei. Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido,
Mas tão de leve!...

Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há muita coisa
Incompreendida...

Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?

Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.

Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz.
Fernando Pessoa

domingo, 8 de junho de 2014

A mágoa...














“Espectros que velais, enquanto a custo
Adormeço um momento, e que, inclinados
Sobre os meus sonos curtos e cansados,
Me encheis as noites de agonia e susto!

De que me vale a mim ser puro e justo,
E entre combates sempre renovados
Disputar dia a dia à mão dos Fados
Uma parcela do saber augusto,

Se a minha alma há-de ver, sobre si fitos,
Sempre esses olhos trágicos, malditos!
Se até dormindo, com angústia imensa,

Bem os sinto verter sobre o meu leito,
Uma a uma verter sobre o meu peito
As lágrimas geladas da descrença!”
Antero de Quental

sexta-feira, 6 de junho de 2014

O que de mim não sabes...

“Não busco n'esta vida glória ou fama:
Das turbas que me importa o vão ruído?
Hoje, deus... e amanhã, já esquecido
Como esquece o clarão de extinta chama!

Foco incerto, que a luz já mal derrama,
Tal é essa ventura: eco perdido,
Quanto mais se chamou, mais escondido
Ficou inerte e mudo à voz que o chama.

D'essa coroa é cada flor um engano,
É miragem em nuvem ilusória,
É mote vão de fabuloso arcano.

Mas coroa-me tu: na fronte inglória
Cinge-me tu o louro soberano...
Verás, verás então se amo essa glória!”

Antero de Quental

terça-feira, 3 de junho de 2014

A brisa...

“Que coisa distante
Está perto de mim?
Que brisa fragrante
Me vem neste instante
De ignoto jardim?

Se alguém mo dissesse,
Não quisera crer.
Mas sinto-o, e é esse
O ar bom que me tece
Visões sem as ver.

Não sei se é dormindo
Ou alheado que estou;
Sei que estou sentindo
A boca sorrindo
Aos sonhos que sou.”

Fernando Pessoa

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Pensamentos...

“Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.

Trêmulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?”
 Fernando Pessoa

domingo, 25 de maio de 2014

Leve agitação...

"Paira à tona de água
Uma vibração,
Há uma vaga mágoa
No meu coração.

Não é porque a brisa
Ou o que quer que seja
Faça esta indecisa
Vibração que adeja,

Nem é porque eu sinta
Uma dor qualquer.
Minha alma é indistinta,
Não sabe o que quer.

É uma dor serena,
Sofre porque vê.
Tenho tanta pena!
Soubesse eu de quê!..."
 Fernando Pessoa

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Um vazio...

“A noite vem às vezes tão perdida
E quase nada parece bater certo
Há qualquer coisa em nos inquieta e ferida
E tudo que era fundo fica perto

Nem sempre o chão da alma é seguro
Nem sempre o tempo cura qualquer dor
E o sabor a fim do mar que vem do escuro
É tantas vezes o que resta do calor

Se eu fosse a tua pele
Se tu fosses o meu caminho
Se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho”

Excerto da letra “Cúmplices” de Mafalda Veiga